Famílias dos descendentes de Antônio Fernandes, cristão -novo, o Pé de açúcar
Recentemente recebi o documento da Comunidade Israelita de Lisboa (CIL) certificando-me da minha descendência de judeus sefarditas de origem portuguesa. Com este documento será possível fazer a reparação histórica preconizada no Decreto-lei n 30-A/2015 que possibilita, mediante aprovação da CIL, resgatar a nacionalidade portuguesa extraída dos meus antepassados judeus.
Este decreto foi amplamente divulgado na imprensa e lembro que quando o li logo pensei nos meus pais e familiares mais antigos que diziam que éramos descendentes de cristãos-novos e mouros. Meus sobrenomes apareciam naquelas listas de prováveis descendentes de judeus portugueses, mas não me aventurei de imediato. Depois, com os recursos do FamilySearch e MyHeritage cheguei aos antepassados sefarditas e criei coragem e submeti minha árvore genealógica para comprovação junto a CIL. Realmente, as histórias de família eram reais, meus antepassados eram judeus sefarditas. O sobrenome que carrego praticamente nada tem a ver com os nomes dos cristãos-novos. Os sobrenomes foram mudando com o passar do tempo, mas pelos registros da igreja católica é possível resgatar os antepassados. Os seus nomes e sobrenomes judeus foram proibidos e trocados por cristãos. Recaiam sobre eles taxas por terem se convertido, e muitas foram as perseguições fazendo com que vários judeus sefarditas convertidos ou não deixassem suas propriedades e profissões em Portugal e partissem para qualquer lugar que trouxesse paz e segurança.
Dentro deste contexto encontrei o meu antepassado, o Cristão-novo Antonio Fernandes, morador da Praia da Vitória, na Ilha Terceira, Açores, Portugal. Sobre ele, os registros mostram que era comerciante, e pelo apelido (Antonio Fernandes, o pé de açúcar), acredita-se que sua atividade comercial era ligada a cana de açúcar. Casou-se com Brázia Nunes de Antona em 1561. O que registro que demostra que era um judeu sefardita está no fato de que os Cristãos-novos pagavam um imposto/finca sobre suas propriedades pelo simples fato que eram convertidos. Sim, pagava-se um imposto por terem sido judeus, mesmo convertidos. De lá para cá, é possível identificar, os registros de casamento, de batismo e óbito, de seus descendentes chegando até Francisco Martins Gallego nos idos de 1738. Junto com sua esposa, Rosa Maria e filhos, resolveu vir ao Brasil, saindo da Praia da Vitória, na Ilha Terceira chegando a antiga Desterro hoje Florianópolis nas primeiras migrações açorianas por 1750. Meu tetravô, Alexandre José de Campos, nasce em Florianópolis em 1780, sendo batizado na Igreja Nossa Senhora das Necessidades – Santo Antônio de Lisboa. Com o casamento de sua filha Camila com Joaquim José de Souza em 1846 o sobrenome Souza chega até mim.
Voltando ao documento da CIL, e para que se entenda o valor deste documento é importante resgatar a história. Conforme página da CIL o termo “judeus sefartidas” refere-se aos descendentes dos antigos judeus e às comunidades judaicas tradicionais da Península Ibérica (Sefarad ou Hispânia), ou seja, Portugal e Espanha.
A presença destas comunidades na Península Ibérica é antiga e precede a formação dos reinos ibéricos cristãos. Até o século XV, muitos judeus ocuparam lugares de destaque na vida política e econômica portuguesa.
Ainda segundo a CIL, depois do Édito de Alhambra de 1492 e a perseguição levada a cabo pelos reis católicos, Isabel e Fernando, mediante a Inquisição Espanhola, um grande número de judeus espanhóis procuraram refúgio em Portugal e estabeleceram-se nas comunidades judaicas portuguesas. No entanto, em 1496, o Rei Dom Manuel I de Portugal, ordenou a expulsão de todos os judeus que não se tinham convertido ao Catolicismo.
Vários motins aconteceram contra os cristãos-novos, ou judeus convertidos, como em 1506 conhecido como o massacre de Lisboa em que foram mortos mais de 4 mil pessoas. A Inquisição Portuguesa foi formalmente estabelecida em 1536 e extinta somente em 1821 e tinha como alvo os Cristãos-Novos. Segundo o historiado António José Saraiva, 40.000 pessoas foram acusadas pela Inquisição Portuguesa. Destas, só na parte continental de Portugal foram queimadas na fogueira 1.175 pessoas e outras 633 queimadas em efígie. Diante desta perseguição, muitos judeus sefarditas foram forçados ao exílio e obrigados a deixas Portugal a partir do final do século XV e princípios do século XVI em diante, inclusive aqueles que já se tinham convertido ao Catolicismo – os conversos, também conhecidos na época como Cristãos-novos, Anussim ou Marranos. Alguns esconderam as suas práticas judaicas durante anos e geralmente são designados como secretos, escondidos ou criptojudeus. Muitos destes Judeus Portugueses e Cristãos-Novos conseguiram fugir e estabelecer-se em alguns países mediterrânicos, para cidades do Norte da Europa e para outros países como Brasil, Argentina, Estados Unidos entre outros.
Durante todo esse processo pensei muito no sofrimento e dificuldades que essas pessoas passaram naqueles tempos, como este sentimento perverso de intolerância acontece em diferentes momentos. Ao mesmo tempo, orgulho-me de ter familiares que souberam enfrentar e resistir as perseguições trazendo alternativas para sua descendência. Sou grata e orgulhosa por terem escolhido essa terra maravilhosa de São José e adjacências para construir uma vida de paz e segurança. Terra de sol e vento sul. Vento que de tão forte que sopra trazia junto a evocação de nossas mães e avós que com receio de que pegássemos uma gripe pela friagem do vento nos diziam: Deus te crie que é no fundo a adaptação da frase sefardita Hayim tovim, que significa tenha uma boa vida.
Muitas famílias com o sobrenome Souza e Silva que moram em São José, Florianópolis e no litoral catarinense descendem de Antônio Fernandes. Mais precisamente de Manuel Luis Fernandes e seu pai Francisco Martins Gallego que aqui chegaram com suas famílias na primeira migração açoriana nos idos de 1750.
Francisco Martins Gallego, descende de Antônio Fernandes, conhecido também como “O Pé de açúcar” ou “Antônio Fernandes da Praça”, ou ainda “Antônio Fernandes da Praia, que nasceu por volta de 1530, na ilha Terceira, Açores, Portugal.
Judeu sefardita reconhecido e certificado pela Comunidade Israelita de Lisboa – CIL, viveu em Praia da Vitória, Ilha Terceira, Açores, Portugal, no século XVI e início do século XVII. Exerceu a profissão de mercador.
Antônio Fernandes casou-se na igreja matriz de Santa Cruz, em Praia da Vitória, em 15 de abril de 1561, com Brázia Nunes de Antona. No registro de casamento dele com Brázia, consta que era filho de João Gonçalves, caixeiro, e que Brázia era filha de Maria Álvares, moradora do Juncal, Ilha Terceira. Foram omitidos no registro de casamento os nomes da mãe de Antônio Fernandes e do pai de Brázia Nunes de Antona. O registro de casamento pode ser acessado online em: http://culturacores.azores.gov.pt/biblioteca_digital/TER-PV-SANTACR...
A genealogia de António Fernandes e de Brázia Nunes de Antona foi abordada no livro "Mendes, António Ornelas; Forjaz, Jorge; Genealogias da Ilha Terceira, Vol. IV., Título Fernandes, §3°, N 1, DisLivro Histórica: Lisboa, 2007". Na referida obra, consta que António faleceu na Praia da Vitória com testamento de mão comum, aprovado em 07.07.1607 pelo tabelião Bernardo da Fonseca. Consta também que ele foi Cristão Novo, tendo pagado finta (imposto) devido a este fato em 1604. Na referida obra, é mencionado que ele foi mercador na Praça, e que sua fazenda foi avaliada em 3500 cruzados. É explicado que ele teve um irmão chamado Manuel Fernandes, casado em 23.12.1561 na igreja matriz católica de Santa Cruz em Praia da Vitória com Leonor de Barcelos, e falecido em Praia da Vitória em 04.10.1599. Este irmão Manuel também deixou testamento, sendo este testamento aprovado em 11.03.1599. O irmão Manuel Fernandes era caixeiro e meirinho do eclesiástico em Praia da Vitória, sendo que era também era Cristão Novo conforme se deduz da finta (imposto) que o filho deste, Manuel de Barcelos, teve que pagar em 1604.
Conforme pode ser lido nas páginas 507 e 513 do artigo de José Olívio Mendes Rocha, intitulado Subsídios para o Estudo das Gentes de Nação (Cristãos-Novos) nos Açores na 1ª Metade do Século XVII, publicado no Boletim do Instituto Histórico da Ilha Terceira, Vol. XLV, TOMO I, de 1987, António Fernandes teve que pagar fintas dedicadas ao povo dito como de nação (Cristãos Novos). Na página 507 do referido artigo, onde é fornecida uma transcrição dos textos contidos nos documentos de cobranças de fintas referentes ao ano de 1604, está escrito que, na Vila da Praia, a fazenda de António Fernandes da Praia foi avaliada em dois contos e oitocentos mil reis de que lhe cabia pagar da sua metade de um conto e quatrocentos mil reis por sua mulher ser escusa. Já na página 513 do referido artigo, é exibida uma transcrição de cobrança de finta na qual é dito que, na Vila da Praia, a fazenda de António Fernandes da Praça foi avaliada em três mil e quinhentos cruzados de que lhe cabia pagar quinze mil reis trezentos e vinte (15$320). Fonte: Rocha, José Olívio Mendes. Subsídios para o Estudo das Gentes de Nação (Cristãos-Novos) nos Açores na 1ª Metade do Século XVII. In: Boletim do Instituto Histórico da Ilha Terceira. Vol. XLV, TOMO I, 1987. Angra do Heroísmo, Ilha Terceira, 1988. pg. 493 a 518. Disponível online em: http://ihit.pt/codeigniter/assets/upload/pdf/df1dbfd30385179aa4dddb...
António Fernandes faleceu em 16 de julho de 1607 em Praia da Vitória, Ilha Terceira. O registro de óbito dele foi registrado no livro de óbitos da igreja matriz de Santa Cruz, em Praia da Vitória. No registro, consta: "Em os 16 de julho de 1607 faleceu António Fernandes da Praça, recebeu os divinos sacramentos, fez testamento e sua mulher foi a testamenteira. Está sepultado nesta Igreja de Santa Cruz.". O registro pode ser acessado online em (CCA): http://culturacores.azores.gov.pt/biblioteca_digital/TER-PV-SANTACR...
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